Os projetos governamentais na área da saúde são elaborados com apriorística atenção ao "tempo político", imprescindível ao êxito eleitoral. Não há políticas de Estado, apenas fragmentadas políticas de governo, sem continuidade nem reverência a princípios fundamentais.
O resultado da auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o programa Mais Médicos, apresentado no início de março, não surpreendeu o CFM (Conselho Federal de Medicina). A primeira crítica dos auditores do TCU foi à fragilidade do sistema de supervisão e de tutoria do programa. Apesar da resistência do governo em fornecer os dados, concluiu-se que dos 13.790 inscritos, 4.375 (31,7%) não possuíam supervisores indicados.
Observe-se que, em limites acima dos parâmetros legais, 10% desses supervisores acompanhavam mais de dez participantes e outros 10% tinham carga de atividades acima de 81 horas semanais, em alguns casos com decorrente encaminhamento dos relatórios de supervisão de forma intempestiva e sem amplitude de aspectos clínicos, mais voltados a questões administrativas.
As referências de maior gravidade surgiram quando 17,7% dos "supervisionados" admitiram que a falta de conhecimento dos protocolos clínicos conturbou diagnósticos e terapêuticas ao entrarem em contato com seus supervisores para dirimir dúvidas sobre o atendimento.
Por outro lado, 34,3% dos "supervisores" afirmaram que os médicos formados no exterior enfrentaram obstáculos devido ao desconhecimento desses protocolos, inclusive com relatos de dificuldades para definição dos nomes de medicamentos e de suas dosagens corretas.
O TCU apontou também problemas nos módulos de acolhimento destinados aos intercambistas do programa, com a inclusão de 95 pessoas que deveriam ter sido reprovadas por não atingirem os critérios mínimos exigidos nos eixos de língua portuguesa e de saúde.
No âmbito do acesso à assistência e do combate às desigualdades regionais, o relato também aponta que oMais Médicos ficou longe das suas metas. A auditoria mostra que em 49% dos primeiros locais atendidos pelo programa, ao receberem os bolsistas, ocorreu a dispensa de médicos contratados anteriormente.
Em agosto de 2013, nesses municípios com redução da oferta de serviços médicos havia 2.630 médicos, que, somados aos 262 profissionais que chegaram pelo Mais Médicos, totalizavam 2.892 médicos. Em abril de 2014, porém, contabilizou-se apenas 2.288 médicos.
Os paradoxos foram superpostos, posto que houve uma diminuição das consultas médicas em 25% dos municípios cadastrados e uma distribuição sem prioridade às áreas de pouca ou nenhuma assistência.
As soluções para os dilemas da saúde no Brasil não serão encontradas na importação de médicos com diplomas obtidos no exterior e sem revalidação ou com a formação em massa de médicos em escolas sem docência e sem decência.
As respostas a esses desafios têm consistência em uma carreira de Estado e em boas condições de trabalho para os profissionais da área, financiamento pela União e por demais entes federativos de pelo menos 70% das despesas sanitárias, bem como planejamento, gerenciamento, controle e avaliação eficazes.
Enquanto esses requisitos não forem consolidados, a maioria dos dependentes do SUS continuará morrendo de causas evitáveis.
As conclusões do TCU reforçaram o posicionamento crítico do CFM em relação ao Mais Médicos. Expõem a necessidade de revisão do programa para que haja a extinção dos prejuízos aos cofres públicos, a promoção do bom exercício da medicina e, mormente, a preservação da vida e da saúde dos brasileiros que se encontram na camada social mais vulnerável e desfavorecida, agora com menos médicos e menos saúde.
CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA, 64, clínico geral, é presidente do Conselho Federal de Medicina?