Oscar Castelo Branco Clark




Oscar Castelo Branco Clark

Especialidade:

Acadêmico Patrono

Cadeira: 54


Mini currículo:

Cabe-nos a vez de dizer-vos um pouco sobre o muito que fez o Patrono da Cadeira nº 54 desta já prestigiada Academia Fluminense de Medicina, cujo preenchimento muito nos honra. Assaz merecida, com efeito, sua escolha para figurar entre tantas personalidades ilustres da classe médica deste país, pois sua vida foi muito pródiga em cometimentos e realizações, deixando em sua trajetória um exemplo vivo e encorajador para as gerações que nos sucederão neste sodalício.

O professor Oscar Clark (Oscar Castelo Branco Clark), filho de James Frederick Clark e D. Ana Castelo Branco Clark, nasceu em 24 de abril de 1890, na cidade de Parnaíba, Estado do Piauí e faleceu no Rio de Janeiro, em maio de 1949.

Formou-se em Medicina Pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1910, tendo defendido tese em trabalho sobre "Enucleação Transvesical da Próstata". Exerceu a clínica médica intensamente durante quase 40 anos, com largo crédito profissional, espírito humanitário, altruístico, despreocupado com os aspectos materiais da profissão, devotando-se com alma e coração tanto à sua clientela de elite, como aos desprotegidos da fortuna.

Em sua obra "O Século da Criança", publicada cm 1940, escreveu: "O Médico é o Advogado Natural do Pobre. Não tem pois o direito de recusar-se a vir cm defesa da gente humilde e sofredora, sempre que para isso se ofereça oportunidade". No prefácio da 1ª edição, ele adverte: "a proteção do escolar pobre constitui a religião dos bons brasileiros, é o desejo sincero e o prêmio maior de quem escreveu este livrinho".

Dirigindo-se aos médicos em outra obra "Política hospitalar moderna", de 1937, ainda tão atual, ele escreve: "Dedicai grande parte de vossas atividades á proteção da criança, a mais sagrada, sublime e útil de todas as campanhas que se possam realizar no Brasil. Esforçai-vos para que essa campanha se torne a religião dos brasileiros e tereis, assim, cumprido honestamente a vossa missão médica e o vosso destino social entre os homens". Destaque-se de passagem, o fato curioso de, sendo basicamente clínico, foi, sem dúvida, um dos mais ardorosos batalhadores pela saúde da criança e sobretudo do escolar... Estarrecido com a mortalidade infantil na época, que ainda hoje nos envergonha e aflige, entre outras medidas de alcance higiênico e social, lutou para que toda moça fizesse curso público obrigatório de puericultura, como os rapazes fazem o serviço militar antes de tomar o seu posto de trabalho social. Sempre salientou a necessidade de hospitais e escolas onde se reconhecessem os direitos da criança de vir sadia ao mundo, viver e ser protegida. bem alimentada, resguardada sua saúde na escola pública onde o viver ao ar livre seria condição precípua. Acrescenta, na ocasião, que "A proteção à criança é o maior dever do Estado na hora presente".

De sua obra "Política hospitalar moderna", citamos alguns trechos interessantes:

"Em 1823 fundaram a "Sociedade Protetora dos Animais", na Inglaterra: o exemplo inglês foi imitado pelos norte-americanos em 1866, data da fundação de sua "Sociedade para a prevenção da crueldade para com os animais". A esse tempo, uma senhora de bom coração, compadecendo-se de uma criança de nome Mary Elien, que era horrivelmente maltratada por seus pais adotivos, procurou, debalde, a polícia, que se recusou a intervir, porquanto cm Nova lorque não haviam leis protetoras da criança. Foi quando ao espírito bondoso desta missionária ocorreu a ideia de que "Sendo a criança também um animal, estava também, "Ipso facto", sob alçada da Sociedade Protetora dos Animais. Recorreu à essa Sociedade e teve ganho de causa. A ideia da criação de uma Sociedade protetora das crianças foi então recebida com simpatia e, já em 1875 era fundada nos Estados Unidos a "Society for Prevention of Cruelty to Children". Diz ainda Clark:

"Na hora atual repete-se a mesma história. Milhões de crianças são no mundo inteiro condenadas à morte por mera falta de assistência. Nem ao menos podem aproveitar o ensino que o Estado ingênua e inutilmente tenta ministrar-lhes". Salienta o papel dizimador das verminoses, tuberculoses, impaludismo, carências alimentares, entre outras.

A vida de Oscar Clark foi um perene lutar em prol de melhores condições para o escolar brasileiro. Disputou, juntamente com Joaquim Nicolau, nosso saudoso mestre e professor emérito de nossa Faculdade e com Leonel Gonzaga, o acesso ao quadro de médico escolar da antiga Prefeitura do Rio de janeiro, cm renhido concurso, onde os três conseguiram os primeiros postos na colocação, dedicando o melhor de suas vidas ao difícil trabalho de elevar o nível de saúde e rendimento dos colegiais. Lembramos, com emoção e saudade o ano de 1941, em que nós, entre cerca de 500 colegas, disputamos o ingresso no mesmo quadro, em concurso promovido pelo sempre lembrado colega, professor Alcides Lintz à frente do Departamento de Saúde Escolar. Na banca examinadora, lá estavam os três mais uma vez reunidos, na companhia de Luiz Barbosa c Carlos Frederico de Abreu. Henry Curi, nosso confrade também, fez parte da maratona na busca da vaga, e não eram muitas...

No seu novo posto Oscar Clark salientou em artigos, livros, conferências, a impronúncia dos exames periódicos, a criação do serviço de tratamento médico dos alunos, culminando na fundação da Clinica Escolar que hoje tem o seu nome. No prefácio da 2ª edição de "O século da criança" louva a construção de aldeias educacionais, isto é, Escolas-hospitais e lares sociais, que "sem dúvida, representam o mais ousado, inteligente e benemérito movimento educacional jamais tentado no Brasil". Diz: "Instalei a Clínica Escolar do 8º distrito com o firme propósito de torná-la um centro de proteção à infância, desde a gestação intrauterina a puberdade, e não descansarei enquanto não ver construídos os pavilhões destinados à clínica pré-natal, clínica dos lactantes e pré-escolares. Isso é que é econômico, científico e humanitário".

Assim se instalou o primeiro centro de exames periódicos de saúde no Rio de Janeiro, na Clínica escolar do primeiro distrito, onde, nos primeiros sete anos de funcionamento, verificou que, em cerca de 10.000 atendidos, nenhum apresentava saúde plena. "Isto, diz ele, valeu pelo extraordinário ensinamento que até hoje recebi na minha vida profissional". Entendia, contudo, o ilustre patrono de nossa Academia, naquela época, que na organização dos serviços de Higiene escolar não poderiam deixar de ser instaladas mais clínicas escolares e abertura de escolas-hospitais em praias e  montanhas, sobretudo para os débeis físicos da grande cidade. "A escola pública tornou-se o imenso campo de ação da organização sanitária dos povos modernos, continua ele, e as clínicas escolares são assim, centros de diagnóstico precoce e de tratamento médico preventivo". Esse trabalho clínico é de enorme valor educacional. É a educação sanitária expressa em fatos e não em palavras apenas. "Profundamente lamentável que em pleno século XX se construam prédios escolares no valor de milhares de contos, sem a menor ventilação nas classes".

Em seu livro "A política dos campos de saúde" (Escolas-hospitais silvestres) publicado cm 1946 lê-se: "No momento mesmo em que representantes de 44 nações à Conferência & Hotsprings decidiram que todos fossem alimentados de acordo com o que exige um bom padrão de saúde, é-nos lícito pensar no futuro grandioso reservado ao Brasil - único país do mundo capaz de produzir alimentos para a metade da população do globo".

Escreve ainda "Sete anos de experiência em Araruama já nos ensinaram que as escolas hospitais instaladas na zona rural são centros admiráveis de educação pré-vocacional, capazes de despertar nos alunos verdadeiro amor à vida feliz da fazenda". "As escolas-hospitais silvestres são instituições onde os débeis físicos dos centros urbanos, levados das cidades aprendem a amar a vida simples do campo e são educados no trabalho, o que lhes proporciona os meios para se bastarem a si mesmos". Clark propõe a instalação de internatos no campo com alimentação de acordo com as exigências fisiológicas, com Arca cultivável suficiente para 100 ou 200 alunos, com certa autonomia econômica. A criação dos hábitos de trabalho, a convivência com o campo, constituíam para ele, nestes internatos, assunto da máxima importância para o Brasil. Em Araruama instalou a primeira Escola-Hospital, José de Mendonça (nome de seu ilustre sogro, cirurgião afamado no Rio de Janeiro, precursor da moderna política hospitalar no Brasil). Nesta empresa, totalmente particular, investiu durante sete anos quase metade de sua renda mensal. Seu entusiasmo por Araruama poderá ser avaliado neste trecho de um de seus livros:

"Que seja esta terra de promissão com suas planícies maravilhosas, solo ubérrimo, clima ameno e, sobretudo com sua lagoa de beleza inebriante, que mais lembra um lindo pastel, sinônimo de amor, isto á, a cidade da criança; que seja o Brasil o berço da nova civilização baseada na ciência. Ninguém até hoje compreendeu a importância social da lagoa de Araruama como centro de turismo. Nada conheço de melhor no mundo que se lhe compare como centro de talassoterapia social".

Oscar Clark escreveu mais de 200 trabalhos, cuja relação parcial anexamos a esta modesta homenagem ao patrono da Cadeira 54. Versaram sobre os mais variados temas, característica de sua versatilidade, abrangendo prevalentemente a sífilis, tuberculose, câncer, doenças venéreas, fumo, ensino médico, educação sanitária, organização hospitalar, medicina preventiva e social. Escreveu livros em linguagem simples, sem rebuscamentos literários premeditados, para maior acessibilidade ao grande público sobretudo porque portadores de mensagens de profundo conteúdo educativo e promocional. Citamos alguns, que temos a satisfação de trazer e ofertar à biblioteca de nossa Associação:

"Política Hospitalar Moderna", 1937

"Remédios, fatores de civilização", 1938.

"O Século da Criança", 1940.

"O Problema dos Campos de Saúde", 1946.

Há mais de 40 anos Oscar Clark já se dera conta da relevância do social no âmbito da medicina, mostrando que o corpo da sociedade, vítima de males que a depauperam, restringe o rendimento nacional em amplo sentido. Razão de mais lhe pareceu isto para justificar uma Cátedra de Medicina Social, proposição sua que na época não obteve a necessária ressonância. Docente de Clínica Médica da Faculdade Nacional de Medicina, professor titular de Clínica Médica na Faculdade de Ciências Médicas do Rio de Janeiro, Membro da Academia Nacional de Medicina, sua preocupação com o melhoramento do ensino médico no país ensejou inúmeros trabalhos, artigos, divulgando tudo quanto conhecia de mais moderno na América do Norte e Europa, adaptável à nossa realidade socioeconômica. 

Preconizou, com veemência, a necessidade da organização de estabelecimentos hospitalares como escola de aperfeiçoamento para médicos, cursos para o aprimoramento técnico e especialização. "Precisamos de nova espécie de hospitais que sirvam de centros de educação sanitária, centros de investigação local sobre a etiopatogenia dos estados mórbidos e de centros de saúde, o que quer dizer, de felicidade para o povo. Essa, diz ele, é a grande caraterística da época" e, na 2ª enfermaria da Santa Casa do Rio de Janeiro, onde foi Chefe parte da vida, foi o médico devotado, o professor amigo, insinuando aos inúmeros estudantes que por ele passaram, a necessidade da iniciação precoce em patologia social, medicina preventiva e higiene desde os primeiros anos. Em um de seus trabalhos escreveu, visando aos estudantes: "Habituai-vos, outrossim, a não perder tempo nas longas viagens de bonde ou de trem; lede sempre bons livros. E não vos envolvais em política. Conheço muitos médicos inutilizados por esta mania (verdadeira calamidade no Brasil). Oportuno citar trechos atinentes à terapêutica, tão oportunos ainda hoje: "Não conheço melhor meio de ensinar  terapêutica aos internos do que obrigá-los a anotar a ação dos medicamentos na observação escrita de cada doente. E se os chefes de enfermaria exigissem dos estudantes um artigo mensal sobre a ação e as indicações dos principais remédios concorreriam poderosamente para restringir a praxe tão espalhada da polifarmácia, um dos maiores perigos a que se acha exposta a classe médica, pela abundante produção de drogas sem valor. Já pelo desejo quase insaciável da clientela, por um farto receituário para sanar o mais insignificante mal estar. 

O estudo honesto da ação medicamentosa e a técnica do tratamento constituem dois dos mais sérios problemas do atual ensino médico. Enorme é a responsabilidade de um chefe de enfermaria a esse respeito pois a ele incumbe não só combater a administração abusiva de drogas inúteis, como a descrença nos remédios preciosíssimos com que a fisiologia, a química, a farmacologia e a técnica farmacêutica enriqueceram o nosso "armamentarium" terapêutico". No seu livro Remédios, fatores de civilização", na carta dirigida a seu filho James, então estudante de medicina escreveu: "Infelizmente, meu filho, a alma humana é de uma ingenuidade ilimitada; crê em tudo o que se lhe diz. Deixa-se explorar por uma legião incalculável de charlatães da medicina e da indústria, que inundam o mercado de drogas, na maioria inúteis, quando não perigosas. Se essas drogas fossem lançadas ao mar era o caso de se dar pêsames aos peixes e parabéns à humanidade. Essa é uma das partes tristíssimas da medicina moderna. Voltamos à era da polifarmácia. Só em 1935 nos Estados Unidos as fábricas de remédios patenteados produziram drogas que renderam 5 milhões de contos de réis (toda a circulação monetária do Brasil), para envenenar o povo. Na Inglaterra dispenderam-se 10 milhões de libras esterlinas com essas drogas, na sua enorme maioria purgativos. Nada menos de 800 mil contos gasta o público britânico por ano com purgativos como se estivéssemos na era de Voltaire, que em carta dirigida a um amigo, o aconselhava a escolher para esposa, uma mulher que soubesse administrar com habilidade um clister - virtude essencial na época ao sexo feminino..." Continua Clark:

"Desse modo, ainda hoje, graças a ignorância popular, talvez 90% dos preparados vendidos nas farmácias e drogarias sejam inúteis quando não perigosos. E tudo isto nos faz pensar na necessidade de uma nova civilização na qual seja expressamente proibido o comércio livre de drogas".

No que tange às doenças venéreas e problemas da juventude, fonte de tantas inquietações e sofrimentos atuais, escreveu nosso patrono:

"O cuidado de instruir inteligentemente os nossos filhos sobre os graves problemas das doenças venéreas, defendê-los das más companhias, criá-los como amigos para que não tenham segredos para conosco, vigiar a atmosfera moral que os cerca, despertar neles a noção da responsabilidade perante a futura família, representam, sem dúvida, a melhor proteção à mulher e à criança contra as devastações e sofrimentos inúmeros causados por tão cruéis ´venenos da raça´".

Cita adiante uma frase de Elie Faure, que suscita meditação: "Os mais cruéis inimigos dos homens não são os invasores estrangeiros mas os invasores de dentro - a pobreza e a doença".

Eis aí, confrades e colegas, algumas pálidas pinceladas sobre o patrono da Cadeira 54 de nossa Academia Fluminense de Medicina. Consciente do apoucamento de nossos recursos para dar em rápida síntese a justa ideia do que foi o homem, o médico, o professor, o escritor, e sobretudo o incansável batalhador em prol de causas tão nobres e vitais para a nossa pátria, terminamos com uma outra frase sua que é uma comovente mensagem sobretudo para os que iniciam sua carreira médica:

"A Medicina é uma profissão que proporciona as maiores alegrias a alma humana, desde que se lhe devote sincero amor e a enfermaria é o ambiente em que o jovem Esculápio aprende a amar intensamente a arte de Hipócrates".


Biografia escrita pelo Acadêmico fundador, Cadeira nº 54, Sylvio Pereira do Lago.


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