Arlindo Raimundo de Assis




Arlindo Raimundo de Assis

Especialidade:

Acadêmico Patrono

Cadeira: 19

Patrono: destinado a Seção de Ciências Aplicadas a Medicina


Mini currículo:

Coube a mim o privilégio e a elevada honra de apresentar os traços biográficos do Professor Dr. Arlindo Raimundo de Assis, patrono da décima nona cadeira desta Academia à qual, confesso tenho grande satisfação e orgulho de ocupar. Arlindo de Assis foi meu mestre e pessoa a quem habituei-me a dedicar profunda admiração, pelo seu porte de autentico cientista e de pessoa merecedora de eterna gratidão pelos salutares ensinamentos com que me brindou, pela atenção e consideração a mim dispensadas durante a proveitosa convivência no Laboratório Nacional de Saúde Pública, à Rua do Resende, e no Laboratório da fundação Ataulfo de Paiva, em São Cristóvão, ambos na cidade do Rio de Janeiro, onde tive a elevada honra e grande satisfação de trabalhar, sob sua orientação técnica, nas seções de Bacteriologia da Tuberculose e de BCG.

Quisera estar em condições e à altura de bem desempenhar esta missão, da maneira por que tão distinguida personalidade médica e tão destacado professor de microbiologia merece ser apresentado a tão seleto e respeitável auditório. Contudo, as falhas e omissões involuntariamente cometidas, estarão, certamente, supridas em dois excelentes trabalhos publicados de autoria de dois brilhantes escritores, sendo um nosso companheiro aqui nesta Casa, o Acadêmico Dr. Lourival Ribeiro, em capítulo de seu livro editado em 1976, sob o título "Pelos Caminhos da Medicina", já do conhecimento dos presentes, o qual, por gentileza do autor, tivemos a grata satisfação de receber, com delicada dedicatória, e o outro, de autoria do Dr. José Silveira, membro da Academia de Letras da Bahia, também em capítulo de seu livro "Imagens de Minha Devoção" publicado em 1975, igualmente por mim recebido, com a mesma gentileza de seu autor, em cujos dois livros existe um capítulo separado referente ao nosso patrono.

Seus últimos trabalhos versando, principalmente, sobre BCG contribuíram efetivamente para tornar seu nome bastante conhecido e popular no país e no exterior, sobretudo no que diz respeito à profilaxia da Tuberculose, e mais recentemente, após a sua indicação também na profilaxia da Hanseníase, e atualmente, em investigações de sua possível indicação como meio auxiliar no tratamento de certas formas de tumores malignos. Entretanto, seu nome já era suficientemente credenciado e altamente conceituado pelos numerosos, brilhantes e substanciosos trabalhos no campo da microbiologia geral e das técnicas microbiológicas, já que tinha importantes trabalhos publicados abrangendo assuntos como por exemplo: gonococcias, meningoccias, sífilis e seu soro diagnóstico, salmoneloses, shigeloses, febre tifoide, brucelise, tuberculose, reações de fixação de complemento, venenos animais, meios de cultura, imunidade em tuberculose e, sobretudo, sobre BCG.

Seus trabalhos sobre esta vacinação, as modificações introduzidas na técnica do preparo e da aplicação da vacina, o aumento de sua dosagem original, o método próprio de vacinação indicado, o método concorrente oral, tenazmente por ele defendido, pela facilidade de sua administração num país com extensão territorial tão grande quanto o nosso e as dificuldades de transportes em certas regiões interioranas, além da vantagem dos estímulos imunitários repetidos trazendo corno consequência aumento de proteção, quando os métodos parenterais são difíceis de serem utilizados entre nós, na prática diária, pelos motivos expostos, trouxeram uma colaboração inequívoca, incontestável e consagradora.

Entre seus discípulos se situavam, como nós, alguns dos seus ex-alunos na Cadeira de Microbiologia da antiga Faculdade Fluminense de Medicina, na qual foi professor titular, hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense. Muitos entre os que se dedicavam aquela especialização mantinham com ele contato constante, pessoalmente eu por correspondência, como tivemos oportunidade de constatar por diversas vezes, procurando esclarecer dúvidas ou tentando resolver problemas de sistemática ou identificação bacterianas, problemas esses que surgiam no dia adia da rotina bacteriológica, buscando, com isto, também mais uma oportunidade de auferir novos conhecimentos, fazendo assim uma constante e oportuna atualização e reciclagem nos mais variados assuntos desta vasta matéria que ele mantinha sempre atualizada e na qual era ele, incontestavelmente, verdadeiro mestre em todos os sentidos da palavra. Com isto concedia também oportunidades úteis e agradáveis de amplo diálogo e maior convivência com seus discípulos o que, aliás, fazia sempre com grande desprendimento e evidente satisfação. Teve entre seus discípulos e colaboradores nomes da mais alta projeção, que estiveram a seu lado nos momentos de árduas lutas, apoiando-o e prestigiando-o, os quais lealmente com a mesma dedicação do mestre se empenhavam na defesa e na implantação desse método de vacinação. Seus nomes para não cometer injustiças, pois a memória pode falhar, deixam de ser mencionados, rendendo, entretanto a todos eles, também, justa homenagem nesta oportunidade.

Além do volume de conhecimentos acumulados pelo seu estudo incessante de problemas da especialidade, os quais lhe deram uma projeção internacional de estrela de primeira grandeza no cenário da microbiologia, além de excelente memória e inteligência de que era dotado, era portador de dez títulos honoríficos, membro de quinze sociedades científicas brasileiras, umas vezes como sócio honorário, outras vezes como sócio efetivo. Nas mesmas condições era, também, membro de dezoito sociedades científicas estrangeiras e igualmente sócio honorário ou benemérito de sete sociedades médico sociais brasileiras, números e fatos estes que por si sós são suficientes para demonstrar, indubitavelmente, o prestígio de que desfrutava apesar de sua conhecida modéstia e tradicional humildade.

Sua trajetória médico científica foi marcada pela elaboração de cento e setenta e três trabalhos científicos entre os quais não faltaram sessenta e dois trabalhos versando sobre BCG, sendo os demais nos assuntos de microbiologia já mencionados.

Dominava perfeitamente cinco idiomas, através dos quais mantinha frequente e constante correspondência com destacados profissionais e instituições científicas estrangeiras.

Segundo José Silveira, em seu livro, referindo-se ao Museu Arlindo de Assis existente na capital da Bahia, e a dois instrumentos que fazem parte de seu acervo, nas suas próprias palavras, existem: o microscópio onde tantas coisas vislumbrara e descobrira e também ganhara honestissimamente a sua própria vida e o violino, através do qual nas suas pouquíssimas horas de lazer dava expansão às suas emoções de artista de requintada sensibilidade. Era conhecida a sua afinidade para a música clássica.

Arlindo Raimundo de Assis, natural da cidade de Salvador, Bahia, onde passou sua infância e mocidade, nasceu a 30 de outubro de 1896, sendo filho de João da Costa de Assis e de Dona Mathilde Paranhos de Assis. Diplomou-se em 1917, aos 21 anos de idade, pela Faculdade de Medicina da Bahia, defendendo tese de doutoramento intitulada "ESTUDOS SOBRE CARÊNCIA EXPERIMENTAL DO BERI BERI". Trabalho este realizado quando interno do hospital de isolamento e que lhe valeu a conquista do prêmio Alfredo Brito.

Recém formado foi para o Sul do país em busca de novos horizontes levado pela vontade de ascender profissionalmente e pelo espírito de investigação que já lhe era peculiar quando teve oportunidade de trabalhar, em São Paulo, no Instituto Butantan, como assistente do professor Vital Brazil, diretor daquele instituto já na época de fama internacional.

Em 1919 quando Vital Brazil deixou a direção do Instituto Butantan, e em virtude da acolhida e do estímulo que lhe concedeu o então presidente do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Raul de Moraes Veiga, Vital Brazil aceitou instalar-se, provisoriamente, e fundar em Niterói o Instituto de Higiene, Soroterapia e Veterinária posteriormente denominado Instituto Vital Brazil, que constitui ainda hoje uma das glórias de nosso estado, templo de trabalho e de ciência, por todos nós conhecido e reconhecido, no que foi acompanhado por alguns de seus assistentes, entre os quais, para felicidade nossa e de nosso Estado, encontrava-se o professor Arlindo de Assis, pioneiro também naquela marcha vitoriosa.

Em 1925 Arlindo de Assis, ainda no Instituto Vital Brazil passou a interessar-se pelo Bacilo de Calmete e Guerin (BCG), sigla por que passou a denominar-se tal germe e que no Instituto Pasteur de Paris constituía, na época, motivo de investigações, muitas delas comprovadas, no sentido de obter prevenção contra a Tuberculose. O BCG nada mais era do que uma amostra do Bacilo Tuberculoso de origem bovina, a qual havia perdido sua virulência depois de mais de uma centena de repiques sucessivos em meio de cultura especial, constituído por batata bileada, mas que, entretanto, mantinha a propriedade de proteger bezerros e cobaios contra a infecção tuberculosa, quando convenientemente aplicada.

Posteriormente, investigado no próprio Instituto Pasteur, este bacilo possuía a mesma propriedade no homem, isto é, quando ingerido não produzia lesões evolutivas, mas protegia com certo grau de imunidade os pacientes que o ingerissem, sobretudo, crianças recém-nascidas coabitando com portadores da doença.

Tendo lhe sido oferecida uma amostra do BCG pelo Doutor Moreau, de Montevidéu, nome pelo qual esta cepa passou a ser denominada pelo nosso patrono, amostra esta que havia sido trazida do Instituto Pasteur de Paris, Arlindo de Assis passou a realizar todos os testes e provas para bem evidenciar a sua inocuidade em animais, o que foi feito numerosas vezes, e de maneira rigorosa e inequívoca, como era de seu critério científico. Com tais dados comprobatórios, julgou-se capaz de preparar a suspensão bacteriana e oferecê-la para experimentação humana, o que realmente foi feito entre nós, pela primeira vez, na cidade de Niterói, com o apoio do professor Doutor Almir Madeira, renomado pediatra e puericultor desta cidade, e posteriormente, também, no serviço de higiene pré-natal, da antiga diretoria de Saúde Pública, do Estado do Rio de Janeiro, com o apoio de seu diretor e sanitarista professor Dr. Manuel José Ferreira, através do prenatalista Dr. Aureliano Barcellos.

Em 1927 a Liga Brasileira Contra Tuberculose promoveu a instalação de um Laboratório para a confecção da vacina BCG no Rio de Janeiro e a intensificação da vacinação antituberculosa em recém-nascidos, com a vacina preparada pelo Doutor Arlindo de Assis. Desde essa ocasião até a sua morte manteve-se na direção do Laboratório de preparação da vacina, agora transformado em Fundação Ataulfo de Paiva.

O prestígio de seu nome, a autoridade que lhe conferia a experiência que já possuía depois de anos de trabalho no assunto, a dedicação com que se entregava aos problemas da profilaxia da tuberculose entre nós, utilizando a vacinação por este método, constituíram arma poderosa e eficiente com que foi capaz de conter aqueles que, precipitadamente, se lançaram contra o BCG, depois de lamentável desastre que ocorreu em Lubeck, quando nessa cidade, na Alemanha, quase três centenas de crianças surgiram com processos evolutivos de tuberculose, em consequência da vacinação com uma partida de vacina, por grave erro técnico, preparada com uma amostra de bacilos tuberculosos humanos virulentos, provenientes de uma cultura de um escarro de doente tuberculoso humano, cultura esta indevidamente mantida na mesma estufa destinada ao cultivo de amostras de BCG, os únicos germes que poderiam e deveriam ser mantidos naquela estufa. A constatação e averiguação deste fato foi motivo de rigorosa investigação e vigorosa determinação para que nunca mais, em serviços que lidassem com cultura de BCG, para o preparo da respectiva vacina, fosse permitida a entrada de qualquer outra cultura bacteriana, fosse qual fosse a sua origem, isto para evitar que nunca mais se repetissem fatos lamentáveis daquela natureza, cuidado e princípio do qual sempre fez questão, o prezado mestre, de transmitir aos seus discípulos, dos quais exigia o máximo de rigor naquele sentido.

Se último trabalho, em 1964, publicado na revista do Serviço Nacional de Tuberculose, n° 29, intitulado "PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA VACINAÇÃO BCG" constitui excelente atualização da matéria, no qual ainda uma vez mais faz a defesa da vacinação oral pelo BCG.

Recebeu diversas homenagens em diferentes oportunidades, além de ter participado de diversos congressos, nacionais e internacionais, com excelentes trabalhos apresentados, tendo deixado consagrado o seu nome, o seu método de vacinação oral e a medicina brasileira, pelos serviços prestados à profilaxia da infecção tuberculosa.

Suas atividades profissionais como bacteriologista se ligaram em diversas fases a diferentes instituições como:

Instituto Butantan de São Paulo, Instituto Vital Brazil de Niterói, Instituto Fernando Filgueira do Departamento Nacional da Criança, Liga Brasileira Contra Tuberculose, Departamento Nacional de Saúde Pública, tanto no Laboratório Nacional à Rua do Rezende onde, incontestavelmente, muito contribuiu para implantar e elevar o padrão nacional dos laboratórios de Saúde Pública estaduais e através dos profundos conhecimentos especializados de que era dotado, fazendo sentir sua ação e orientação quer nos laboratórios estaduais, quer nas delegacias federais de saúde, quer posteriormente como diretor do Departamento Nacional de Saúde "1951 a 1955" cargo que corresponde atualmente ao Ministro da Saúde, Professor de Microbiologia da Faculdade Fluminense de Medicina, hoje Faculdade de Medicina da UFF, Professor de Microbiologia no curso de tuberculose, do Professor Clementino Fraga, além de numerosas palestras e conferências sobre os mais diversos assuntos relacionados a microbiologia.

Lamentavelmente, no dia 30 de novembro de 1966, na cidade do Rio de Janeiro, faleceu, perdendo assim a medicina brasileira um de seus maiores expoentes e a microbiologia um de seus mais apaixonados e eficientes mestres.

 

Biografia escrita pelo Acadêmico, da Cadeira nº 19, Germano Brasiliense Bretz.


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