Hélion de Menezes Póvoa
Especialidade:
Acadêmico Patrono
Cadeira: 47
Mini currículo:
É sempre com justo orgulho que compareço ao plenário desta douta agremiação, da qual tenho a suprema honra de ser um dos seus titulares. Esta honra cresce e avulta, quando aqui compareço para falar da vida e da obra de Hélion Póvoa patrono da cadeira que ocupo nesta Academia.
Vivendo em Campos, nem sempre aqui estou presente. Mas, nas poucas vezes em que participei da vossa companhia, tive sensação diferente, como se fosse uma volta ao passado tão grato a todos nós. O critério desta Academia, escolhendo nomes ilustres da medicina fluminense para seus patronos, tocou a todos nós de maneira indelével.
No meu caso, principalmente, a honra e a emoção foram imensas ao saber que iria sentar-me na cadeira de Hélion Póvoa, justa homenagem, ao médico campista que mais alto ascendeu na Medicina Nacional.
Quis o destino, sempre tão dadivoso para comigo, que fosse eu o designado para falar sobre pessoa de tão elevada importância na Medicina Brasileira.
Este nome cabe de modo perfeito numa Academia que se dedica a estudos e pesquisas, e tal atitude representa portanto gesto de eleitos e iniciativa de inspirados, porque o patrono não fez outra coisa em toda a sua vida gloriosa.
Estudou e pesquisou sempre, porque o seu talento já não se conformava mais com as verdades médicas conhecidas. A atração do desconhecido, do ignorado, do inédito, empolgava-o em todos os sentidos. A sua inteligência invulgar o impelia para aquilo que os outros desconheciam.
Foram anos sofridos, amargurados, de trabalho intenso e de noites insones, não raramente premiadas com as madrugadas das descobertas.
Só então, aquela cabeça precocemente grisalha, de olhos pisados pela fadiga, levantava-se do livro, ou abandonava a cobaia que lhe proporcionara a verdade e fitava, pela janela, o novo dia que surgia radiante de luz.
Assim era sua vida, de absoluto desprendimento pelos bens materiais. Só o preocupava a verdade científica. Desde o prêmio de sua tese de doutoramento, até a conquista, por concurso notável, na Faculdade Nacional de Medicina, da Cátedra de Patologia Geral, a vida de Hélion Póvoa, foi uma trajetória brilhante de glórias.
Dez livros publicados, mais de 300 trabalhos sobre assuntos médicos, culminando com a conquista de 6 prêmios na Academia Nacional de Medicina. Tenho ainda gravado na retina, o momento em que o grande e sábio professor Miguel Couto, Presidente da Academia, ao lhe entregar a sexta medalha dizia-lhe:
"Póvoa, esta Academia pede-lhe desculpas por não ter mais prêmios com que laurear o seu talento".
Foram tantas as suas conquistas na Medicina, que estão hoje condensadas em um livro, denominado "Títulos e Trabalhos", onde se encontra o inventário dessa fortuna espiritual, porque muito difícil seria enumerá-las.
Acompanhei de perto sua vida gloriosa.
Por muitos anos moramos juntos e não me esqueço, um momento sequer, que devo a ele, grande parte da minha formação médica. Irmãos no sangue e fraternos na amizade que nos unia, eu sinto mais do que qualquer outro, a beleza e a grandiosidade desta solenidade. Ela, além de ser uma justa homenagem, representa o reviver de uma saudade.
Hélion de Menezes Póvoa nasceu a 23 de março de 1899, na cidade de Campos. Teve avós brasonados, dignos representantes da aristocracia rural daquela época, de engenhos, sobrados e de senzalas, que fizeram o encanto da Velha Província.
Um deles, seu bisavô pelo lado materno, foi o vigésimo oitavo Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Campos. Sua administração foi perturbada por uma das maiores enchentes de Campos. O nosso grande rio abandonou mais uma vez o seu leito e invadiu grande parte da vila. As águas revoltas em tremenda fúria, derrubavam as casas levando tudo de roldão. O grande Provedor não sabia se cuidava dos doentes ou se lutava por manter de pé o seu hospital. E tanto se desvelou no socorro dos enfermos, que em 1847, D. Pedro II visitando Campos, conferiu-lhe o título de Barão de Abadia.
Hélion Póvoa fez seu curso primário em Campos, e o seu curso secundário no velho e tradicional Liceu de Humanidades de Campos.
No ano de 1919 fez seu vestibular para a Faculdade Nacional de Medicina e valendo-se de uma lei que permitia fazer dois anos em um só, fez todo o seu curso médico em 5 anos, todo ele com distinção, que era a maior nota da época.
Em 1923, colava grau como doutor em ciências médicas cirúrgicas. Foi eleito orador da turma e a sua tese de doutoramento "Da síndrome hemoclassica", foi laureada com o Prêmio Alvarenga. Ao terminar o curso em 1923, já Miguel Couto o tinha descoberto, profetizando seu futuro na sua comentada frase:
"Hélion Póvoa, tomai nota deste nome".
Foi médico do Instituto de Neurobiologia e mais tarde seu Diretor. Em 1928 apresentou a técnica de uma nova reação coloidal bi-corada para o diagnóstico da neurosífilis, sobre a qual escrevi a minha tese de doutoramento.
Em 1929, fez concurso e de maneira notável conseguiu a docência livre da cadeira de Anatomia Patológica e passou a ensinar esta matéria em cursos particulares. De Norte a Sul do Brasil, ainda são encontrados seu ex-alunos, que veneram sua memória.
Após a conquista da docência livre, passou a dar curso equiparado, em face de uma lei então vigente. Foi então criado um caso na Faculdade. Os estudantes abandonavam as aulas do professor catedrático e corriam, em massa, para o anfiteatro do livre docente, seduzidos e encantados pelo método da exposição, pela lógica da argumentação e sobretudo pela eloquência da dissertação. O auditório repleto de estudantes, todos embevecidos pela palavra do mestre, que no meio da sala desenvolvia seu raciocínio com a clareza habitual. Hélion Póvoa sempre foi um grande professor e um magnífico expositor.
Em 1930 ganha 3 prêmios:
Prêmio Diógenes Sampaio - com o trabalho "Hipervitaminose D";
Prêmio Alvarenga - com o trabalho "Mecanismo de ação do método brasileiro no tratamento dos aneurismas";
Prêmio Benjamim de Oliveira - com o trabalho "Tratamento das anemias pelo fígado".
Em 1933 ganha mais 3 prêmios:
Prêmio Academia - com o trabalho "Patogenia da anemia nas verminoses, especialmente na ancilostomose";
Prêmio Diógenes Sampaio - com o trabalho "Síntese orgânica da vitamina D";
Prêmio Miguel Couto - com o trabalho "Calciopexia solar".
Em 1934 foi eleito membro titular da Academia Nacional de Medicina na vaga do Professor Oscar de Souza, sendo recebido pelo Professor Carlos Chagas.
No ano seguinte era eleito orador oficial da Academia. Ao aqui chegar o saudoso Professor Annes Dias, encontrou em Hélion Póvoa, um dos seus mais dedicados colaboradores, como seu chefe de clínica.
Em 1936, foi eleito presidente da Sociedade Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro.
Foi presidente das Jornadas Médicas Sul Americanas, realizadas em Buenos Aires, e era membro de quase todas as Sociedades Médicas Argentinas e Uruguaias, realizando um trabalho diplomático intenso entre os médicos dos três países. As Jornadas Médicas desvendaram uma nova faceta da personalidade de Hélion Póvoa, a de diplomata. Elas estreitaram de muito os laços de fraternidade entre Brasil, Argentina e Uruguai. Foram tantas as demonstrações de amizade, destinadas a estabelecer a nova consciência continental, que todos passaram a acreditar no vaticínio inspirado, quando Hélion Póvoa proclamou:
"Agoniza na Europa um crepúsculo, desperta na América uma alvorada".
Em 1939, a cadeira de patologia geral era ocupada por um professor interino, filho do professor que a ocupava anteriormente, amparado por certa parte da congregação da Faculdade que julgava ser a cátedra uma herança de família, e que portanto não havia motivo para se abrir as inscrições para o concurso. Hélion Póvoa, com o seu acendrado espírito de luta, que nascera em uma terra onde até as mulheres pugnam pelos seus direitos, solicitou uma audiência ao Presidente Vargas, a quem expôs a verdadeira situação, dizendo que se sentia espoliado nos seus direitos de professor, uma vez que desejava prestar concurso para a referida cadeira. Impressionado com a sua franqueza e sobretudo com a justiça dos seus argumentos, o Presidente Vargas deu ordens ao Ministro Gustavo Capanema para que mandasse realizar o concurso, único meio decente e honesto de se selecionar valores.
Depois deste concurso, que ficou famoso nos anais da Faculdade Nacional de Medicina, Hélion Póvoa tornou- se professor catedrático de Patologia Geral, conseguindo nota máxima em todas as provas, derrotando dois grandes professores. A sua prova de aula, à qual estive presente, ainda permanece em minha memória. Todos que a assistiram, ao se retirarem levavam a certeza de que ele seria o candidato vitorioso. A sua tese para o concurso versou sobre "Patologia da Arteriosclerose", onde ele expôs ideias inéditas, confirmadas posteriormente, com o transcorrer do tempo e com a evolução da Medicina. Na referida tese evidencia-se o augusto pesquisador tirando conclusões originais em campo aparentemente livre de originalidade, pelo trabalho exaustivo de exploração de outros estudiosos. Em numerosos trabalhos publicados aqui e no estrangeiro, e em monografias laureadas pela Academia, ficou ressaltada a sua valiosa contribuição original ao patrimônio da cultura médica do Brasil, no âmbito da patologia.
Por mais de uma vez ele declarou:
"Sempre entendi a Universidade como verdadeira oficina dos destinos das Nações. Fazendo homens de elite, assegura o amanhã dos povos".
O aspecto universitário da vida de Hélion Póvoa é empolgante: estudante de medicina - monitor da Faculdade - assistente - docente livre - chefe de laboratório - chefe de clínica - catedrático interino em mais de uma cátedra, e finalmente, titular efetivo. Os seus assuntos preferidos sempre foram: coloidoclasia - alergia - hormônios - vitaminas - metabologia - genética - arteriosclerose e câncer foram sempre os temas dos seus estudos.
Foi durante anos Presidente do Abrigo Cristo Redentor e em fins de 1941, Diretor do Serviço de Alimentação da Previdência Social, tendo sido um dos criadores dos cardápios com valores proteicos e calóricos para alimentação dos trabalhadores.
Foi Vice-Presidente da Policlínica Geral do Rio de Janeiro e Chefe do Serviço de Nutrição dessa mesma Instituição.
Escritor elegante e de apurada linguagem Hélion Póvoa encontrava tempo para os seus artigos jornalísticos de assuntos médico-sociais.
Hélion Póvoa faleceu em 9 de abril de 1944, num domingo de Páscoa triste e cinzento, aos 45 anos de idade, vítima de uma doença sobre a qual escrevera um livro de mais de 300 páginas. Quis o destino impiedoso que ele fosse vitimado ainda muito cedo, quando ainda muito poderia fazer pela medicina brasileira. Foi um dia de consternação geral para os médicos do Brasil, muito embora sua recordação permanecesse eterna na memória de todos, pelo acerto de suas descobertas e pelas verdades contidas nos seus trabalhos.
"Felizes dos homens que passam pela terra espargindo o bem, semeando o mundo de atos dignos, criando belezas, descobrindo verdades e que na hora extrema cerram as pálpebras fatigadas, de alma serena, consciência em bonança, ainda consolando ao morrer os que o cercam para minorar-lhes o sofrimento, animando-os a prosseguirem na senda do dever e do trabalho! Felizes do homens que ingressados no Céu pelas virtudes e pelos méritos, ainda na terra vivem no culto dos exemplos e na saudade os amigos, como uma estrela já extinta, mas deixando por séculos, uma esteira de luz cintilante e confortadora". Palavras de Hélion Póvoa à beira do túmulo do Professor Annes Dias e que se aplicam tão bem à sua pessoa.
De Buenos Aires chegou até nós a palavra de Nicolas Romano
"Deixa-nos Hélio Póvoa, um acervo de atividade benfeitora, suficiente para alongar pelo tempo os ecos de seu nome; mas quando a humanidade novamente se equilibrar, quando o homem se tornar menos lobo para com o homem, quando as normas de justiça outra vez governarem a conduta universal, sua imagem surgirá como um símbolo dos corações que não claudicaram ante as forças do mal e entreviram a alvorada de uma nova humanidade. Por isto o nome de Hélion Póvoa jamais se desvanecerá da memória dos brasileiros e dos argentinos. Há de vibrar em nós como um eco cordial, que alenta e guia, como hoje vibra para dignificar-nos com a certeza de que não dizemos adeus a uma alma generosa, mas que lhe reconhecemos a presença e compreendemos que nos assistirá em nosso fervor americanista, fervor que foi seu e que já constitui sua glória imorredoura".
Dele disseram vários professores:
De curta vida e de tão alta glória;
Em plena pujança e já nos píncaros;
Forte demais, para deter a marcha prometedora e já vitoriosa;
Moço demais, para que o destino o furtasse ao trabalho que dignificava, no pensamento que dirigia com equilíbrio e à ação que comandava com devotamento e utilidade.
Hélion Póvoa, era professor nato, era mestre congênito. Fez do Magistério e da Pesquisa, o seu mundo maravilhoso. Duas grandes preocupações ele teve na vida: a medicina e a família. Se na primeira ele foi plenamente vitorioso, na segunda ele conseguiu um lar absolutamente feliz. Uma esposa amantíssima e filhos que seguem os passos do pai. Olhando para as dedicatórias dos seus trabalhos, verificamos que ele teve duas grandes incentivadoras na sua vida: sua MÃE e sua ESPOSA.
Em 20 de abril de 1927, casou-se com D. Maria Nair Pires Ferreira, tendo havido desta união 4 filhos:
GILDA MARIA que há vários anos vive na Europa, onde casou-se e tem 3 filhos. É senhora de raras virtudes, falando não sei quantos idiomas;
RODOLFO PÓVOA é advogado notável no Foro do Rio de Janeiro;
LUÍS CÉSAR PÓVOA, professor titular de Endocrinologia da PUC, Livre Docente de Endocrinologia da Universidade Federal, Diretor do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia;
HÉLION PÓVOA FILHO é professor titular de Patologia Clínica da UNIRIO, professor titular de Bioquímica da PUC e livre docente de Patologia Clínica da Universidade Federal. Imitando seu pai já conquistou 3 prêmios na Academia. Só não conseguiu escrever um trabalho em colaboração com o pai, conforme era desejo de ambos.
HÉLION PÓVOA, foi um homem de existência fecunda, legando ao Brasil além de seus trabalhos na Medicina, filhos cultos e inteligentes, que por certo continuarão sua obra benemérita.
A sua grande inteligência, levou-o dos bancos do velho Liceu de Humanidades de Campos, até aos píncaros de uma cátedra da Faculdade Nacional de Medicina, sempre no primeiro lugar.
Sempre foi um líder.
Que o seu nome nesta colenda e egrégia Academia Fluminense de Medicina*, seja estímulo eterno para todos nós que tanto amamos a Medicina.
* Hoje, Academia de Medicina do Estado do Rio de Janeiro-ACAMERJ
Biografia escrita pelo Acadêmico Oswaldo de Menezes Póvoa.