Júlio Maximiano Ollivier
Especialidade:
Acadêmico Patrono
Cadeira: 58
Mini currículo:
Comocionado,
aqui compareço para desfrutar uma das maiores honras profissionais: a companhia
cativante de luminares da medicina do Estado do Rio, tão capazes de atos
bondosos, que resolveram premiar um modesto médico de família do interior,
filho de ferroviário, elegendo-o e o recebendo nesta Casa.
Quem sabe quiseram, com tão nímio gesto,
homenagem na humildade do orador os colegas que mourejam em pequenas cidades e
vilas do Estado do Rio, sem recursos técnicos, sem infraestrutura, sem pessoal
habilitado, tentando manter num mínimo de higidez um povo trabalhador e digno.
Para a nossa categoria, alvo permanente
de arremetidas dos veículos de comunicação, é uma espécie de autodefesa zelar
pelo bom nome, preservando o conceito da classe; não deve toda ela, muitos já
encanecidos, pagar pela massificação do ensino médico ou pelas falhas dos
planos governamentais de assistência à saúde.
Comovido, sinto o paralelismo entre a
carreira do patrono da nossa cadeira e a singela vida profissional que
percorri, médico e representante com mandato popular, além do seu cliente e
admirador.
Senhores Acadêmicos, ilustres presentes, esta introdução levar-nos-á ao panegírico do patrono de nossa cadeira e à
história de sua vida.
Por enquanto, peço aceitem o agradecimento
sensível e o reconhecimento perene deste colega, amigo, companheiro e irmão.
JÚLIO MAXIMIANO OLLIVIER.
Até 1808 a colonização do Brasil se
fazia de maneira anárquica e empobrecida social, intelectual e financeira.
Contávamos com escravos negros, oriundos
da África, índios aprisionados ou catequizados, aventureiros europeus e raras
famílias da elite portuguesa.
Em 1807, Napoleão Bonaparte, não
recebendo resposta favorável a um ultimato enviado a D. João VI, rei de
Portugal, ordenou que Junot invadisse o pequeno país.
Amparados pela esquadra inglesa, D.
João, a família real, toda a nobreza portuguesa e cerca de 15.000 pessoas da
mais alta intelectualidade e sociedade zarparam para o Brasil.
Só com a sua presença o monarca
verificou quão negligente havia sido Portugal com a sua colônia na América.
Três séculos perdidos...
Na verdade, interessados pela riqueza
das Índias e na colonização de terras africanas mais próximas, relegaram a 2º
plano o desenvolvimento brasileiro, lento e desanimador.
D. João e toda a corte portuguesa se
tomaram de amores pela nova terra, e com entusiasmo se observou um surto de
progresso. O Brasil se eleva no conceito mundial e passa a ser um novo pólo de
atração.
O próprio rei compreende e apoia o brado
dos antigos colonizadores.
"Braços, braços, muitos braços, pois o
país imenso necessita urgentemente de ser colonizado".
O governo procura atrair imigrantes
selecionados, principalmente europeus. O Brasil é olhado como uma terra
promissora, e há boa vontade em imigrar para ele. Facilidades são criadas,
glebas são doadas.
Em 1817 D. João firma contrato com
Sebastien Nicolas Gachet e, através de decreto, autoriza a imigração de cerca
de 2.000 colonos suíços para o Brasil.
Na colônia do Morro Queimado (mais tarde
Nova Friburgo) manda construir casa, igrejas, lojas, delegacia, Câmara e tudo o
mais necessário para receber os futuros colonizadores. Áreas são distribuídas.
E assim Friburgo tem a 1ª imigração organizada, constituída de suíços, a
maioria (41%) do Canton de Fribourg.
Dentre os imigrantes temos a destacar,
em atenção ao nosso patrono:
1.
A
viúva Nenette Jaccoud, que aqui chagou com seus filhos Josete, Anne, Pierre e
Vincent.
2.
As
duas famílias Balmat, principalmente as filhas Maria Balmat.
3.
James
Ollivier, súdito inglês, filho de Nicolas Ollivier, francês, que, mudando-se
para a Inglaterra, se casou com a inglesa Maria Ford, de cujo matrimônio
nasceram James, Edward e Silvia.
James, vindo para o Brasil, casou-se com
Maria Balmat, tendo como filho único Augusto Ollivier.
Instalados, inicialmente, em terras
pouco promissoras os Jaccoud, numa 2ª distribuição, dirigem-se à Lumiar, na
divisa com o Município de Macaé.
No Sana, então 9º distrito do último
município citado residia Augusto Ollivier, que se consorciou com Maria
Florência Balmat Jaccoud, esta descendente de Vincent e Maria Balmat (prima da
anterior), de cujo consórcio resultaram os seguintes filho: James Edward Nelson
Ollivier (médico), Guilherme Arthur Ollivier (médico), Júlio Maximiano Ollivier
(médico) e nosso Patrono, Eugênio Achilles Ollivier (advogado), Oscar Cristiano
Ollivier, Emílio Ollivier, Alzira Ollivier, Orphia Ollivier e Lavínia Ollivier.
NASCIMENTO - INFÂNCIA E FORMAÇÃO
PROFISSIONAL
Júlio Ollivier nasceu no dia 1º de
outubro de 1869 e viveu os primeiros anos de sua vida no Sana. Mais tarde, seus
pais se transferiram para Santo Antônio de Pádua, no norte fluminense, onde
completou, de maneira brilhante, seu curso ginasial.
Pouco se sabe sobre a infância e
adolescência de Júlio. Muito jovem ainda iniciou os estudos preparatórios em
companhia de seus irmão James Edward, Nelson e Guilherme Arthur. Terminados os
preparatórios fez vestibular para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
sendo aprovado e na qual cursou até o 4º ano.
Por motivos que não conseguimos apurar,
sabemos que tornando-se solidário com companheiros de turma, transferiu-se para
a Faculdade de Medicina da Bahia, onde após brilhante defesa de tese em que
estudava as Albuminúrias Gravídicas, se doutorou, aos 20 anos de idade,
recebendo o diploma de Doutor em Medicina.
MATRIMÔNIO
Na cidade de Salvador, veio a conhecer e
se casou com Maria Leopoldina de França, de tradicional família baiana, neta do
Marechal França Garcez e do Conselheiro José Lino Coutinho, Ministro do
Império, fundador da Faculdade de Medicina da Bahia, seu primeiro Diretor,
célebre Deputado brasileiro às Cortes de Lisboa.
Em seguida, embarca para o Rio de
Janeiro e daí se dirige para o Cajurú, no Estado de São Paulo, onde inicia a
sua vida profissional. Devido ao estado de saúde de sua esposa, é obrigado a
deixar a cidade, onde deixou traços indeléveis do que seria a sua trajetória
médica.
Assim, o destino o reconduz à sua terra
natal, onde fixou residência e ia viver sua hora derradeira.
Do seu matrimônio nasceram quatro filho:
Júlio Maximiano Ollivier Filho, general do exército, que na 2ª Grande Guerra
comandou na Itália uma coluna que recebeu o nome COLUNA OLLIVIER; Augusto
Henrique Maria D´Aurelle da França Ollivier, também militar ; Maria Magdalena
Ollivier Grego e Álvaro Ollivier, advogado.
ASCENSÃO
Pelos seus reais méritos, afora
trabalhos realizados em prol de seus semelhantes, ascende ao mais alto posto. Vereador
várias vezes, Chefe do Executivo Municipal em vários períodos, finalmente é
elevado pelo povo ao Legislativo Estadual, onde exerceu o mandato por várias
legislaturas.
RELACIONAMENTO COM O MEU PATRONO
Conheci, pessoalmente, o Dr. Júlio Ollivier, pois o meu pai foi Agente da Leopoldina, em Macaé, onde cursei até o terceiro ano ginasial e de onde saí em início de 1930, quando o meu pai foi transferido para ocupar a Agência em Niterói.
Tenho do Dr. Júlio a mais grata
recordação. É mesmo possível que, graças a ele, eu tenha me apaixonado pela
medicina.
Era menino, quando um fleimão difuso se
instalou em minha região palmar esquerda. Com bisnaga de éter fez uma anestesia
local e uma incisão, drenando-o a seguir. Doeu muito, quase desmaiei,
entretanto, deu-me um cálice de vinho do Porto que guardo como a primeira
lembrança de uma bebida alcoólica por mim ingerida. Mais tarde fraturei o
antebraço esquerdo e ele me fez uma imobilização à "antiga" (tala de papelão enrolada
em algodão grosso e atadura de morim, sendo todo este ato executado sem
anestesia). Passados alguns dias, minha mãe, curiosamente, desfez as ataduras
para verificar se o braço estava certo (meu irmão menor, meses antes, havia tido uma fratura exposta tendo que se deslocar para o Rio de Janeiro a fim de ser operado).
No dia seguinte da curiosidade de minha mãe, o Dr. Ollivier passou em nossa cassa e reconheceu, pela maneira como estavam as ataduras , que alguém havia mexido. Carinhosamente fez-nos ver que havíamos errado; refê-las pedindo-nos que não as desfizéssemos mais, pois não queria ser responsabilizado por um possível defeito de redução.
O meu avô, cardíaco, era tratado por outro médico. Certa noite foi acometido de edema agudo do pulmão. Procuramos o seu médico assistente que se encontrava no cinema com a esposa. Avisado negou-se a atendê-lo. Prontamente passamos na casa do Dr. Júlio, que embora não sendo o assistente compareceu de imediato. Era tarde, meu avô tinha falecido. O seu médico assistente negou-se a passar o atestado de óbito, o que foi feito, solicitamente, pelo meu patrono.
AÇÃO E TRABALHO
Bondoso, carinhoso, alto senso de responsabilidade, desprovido de grandes ambições financeiras, faleceu, relativamente, pobre. Os seus sentimentos da jura hipocrática eram de alto nível. Jamais deixou de atender a um doente, rico ou pobre, por mais exausto que se encontrasse. Mais que um médico para os seus clientes, era conselheiro, confidente, e acima de tudo um grande amigo; a sua palavra, sempre ouvida com respeito e acatamento, evitou que muitos lares se desfizessem e que muitas amizades se rompessem. O verdadeiro exemplo do "médico de família", tão escasso em nossos dias. A sua dedicação e o seu desprendimento fizeram com que a população de Macaé, com toda justiça lhe oferecesse o pomposo título "pai dos pobres".
Trabalho nunca lhe faltou sendo que os considerados como de maior vulto passamos a relembrar: em 1918, enfrentou a maior epidemia que avassalou o Brasil e que foi considerada como de calamidade pública a gripe espanhola. Sozinho, pois seu irmão Nelson e o seu genro Dr. Elias Grego, ambos médicos, estavam acometidos pelo grave mal, mesmo assim leva aos enfermos acometidos, numa população de dez mil habitantes, o tratamento adequado, a palavra amiga, a doçura de sua conduta, afastando as aflições e os desesperos de corações feridos pela malsinada enfermidade. Embora sem saber, impelido pela força imanente do mais intimo do seu ser, dedica-se, ardorosamente, ao nobre trabalho que o iria levar aos píncaros da glória e o eterno agradecimento de sua tão vasta quão generosa clientela. Quem percorrer as zonas do interior macaense, de fora a fora, ouve, ainda hoje, dos velhos habitantes palavras de recordação e carinho do grande feito do Dr. Ollivier. São páginas repetidas, envolvendo um passado, tão gratas aos ouvidos dos parentes e amigos, assinalando os mais relevantes serviços. Só a medicina o orgulhava e o empolgava. Recebia diminuto rendimento da Leopoldina Railway, pela qual, muitas vezes, de automóvel de linha, de trem cargueiro, de trem misto ia ver doentes, voltando em horas tardias ou no dia seguinte. Não recebia honorários e, na maioria das vezes, tirava do seu bolso dinheiro para ajudar aos pobres na compra de alimentos e medicamentos.
O povo ajudava-o, por a sua
estima e respeito. A sua figura altiva e imponente, a sua voz sempre doce e
cativante encantavam aos que o procuravam, por nele ver um médico afetuoso e um
amigo devotado. Os presentes, que ganhava em sua data natalícia, fosse uma
estátua de mármore de Carrara, um guarda-chuva com cabo de ouro ou uma modesta
cestinha de taquara contendo ovos dava a todos o mesmo valor e agradecia sempre
com a mesma cordialidade. Tudo isso é a expressão mais viva da magnitude de um
homem que no seu trabalho intenso e perseverante cumprira com o maravilhoso
destino que Deus lhe reservara.
TARDE E GLÓRIA
Foi um homem que não
conheceu o entardecer da vida; numa carreira ascensional atingiu a glória de
ter vivido para a humanidade. Sua obra recebeu a maior consagração que um homem
pode aspirar, não ficando na exteriorização de cargos e títulos honoríficos,
mais sim no reconhecimento, demonstrado no sentimento popular ao aclamá-lo,
merecidamente, BENFEITOR DA POBREZA MACAENSE. São suas as palavras que se
seguem: "O único título que ambiciono, este eu o possuo, é ter meu nome limpo e
humilde". De fato, foi um home despido de toda a vaidade. Seus méritos e feitos
são, ainda hoje, lembrados com carinho e amor, e vão passando de pais a filhos,
numa cadeia interminável de imorredoura gratidão a quem tanto fez pelos pobres
da terra em que nasceu, e que jamais dele se esqueceu.
IMORTALIDADE
Exalto a miscigenação das raças responsáveis pela nossa formação com os exemplos de dignidade, bondade, respeito, carinho, desprendimento, hospitalidade e grande capacidade de amar demonstrados pelo Dr. Júlio, valor gratificante da Raça Brasileira. Quando saí de Macaé já se encontrava enfermo, acometido de insuficiência cardíaca.
Sabia que seu fim
estava próximo, tanto assim que no dia 1 do mês em que veio a falecer disse a
uma pessoa amiga: "Um homem morre de pé".
Seu médico assistente
havia lhe recomendado repouso e que evitasse grandes esforços. Morava na
Avenida Rui Barbosa. No cumprimento do dever de médico fora chamado para
atender uma senhora em trabalho de parto. Esquecendo as recomendações que lhe
haviam sido feitas, saiu a pé, percorreu a metade da Avenida, atravessou toda a
Praça Washington Luiz, até atingir o bairro pobre onde residia a paciente.
Naquele tempo, 1930, as cesarianas não eram ainda praticadas no interior. O
trabalho de parto fora laborioso, o que por certo dele exigiu esforço em
demasia. Acabara de desobrigar-se daquela missão quando pressentiu o seu
próximo fim, revelado pela maneira descuidada com que arrumara os instrumentos
utilizados no ato operatório. Afastou-se apressadamente, talvez em busca de
urgentes recursos, como muitas vezes os levara a quem deles precisava e, ao chegar
em plena praça pública, foi acometido por um edema pulmonar superagudo;
sentindo que não havia tempo de chegar ao lar, onde tanto fora feliz, pediu que
o conduzissem a casa de uma pessoa amiga e também sua afilhada - D. Cecy
Vieira. Fatalidade do destino. Sem ter o menor socorro, tombara aquele que a
tantos ajudara, entregando sua alma a Deus para todo o sempre. Era madrugada do
dia 14 de junho de 1930. Quando faleceu toda a cidade se cobriu de luto. Ao
subir o cortejo funerário a ladeira de Sant´Ana em demanda ao cemitério, um
grupo enorme de pobres antecedeu a multidão.
ÚLTIMA HOMENAGEM DO
POVO, SEU MONUMENTO
Macaé, que tantos anos teve a honra de contar em seu seio, para sua glória maior, com a figura, por todos os títulos ilustre, querido e venerado do Dr. Júlio Olliviver, o saudoso e filantrópico médico, não poderia deixar de cultuar sua memória com carinho e veneração, resolvendo prestar-lhe significativa, justa e merecida homenagem perpetuando no bronze indestrutível a imorredoura gratidão e perene saudade do povo macaense.
Construído e erigido por subscrição popular, para que maior realce tivesse, foi levantado um busto no próprio local onde acometera o mal que levaria sua alma a Deus. A inauguração do busto, trabalho de autoria de C. Simões, foi feita em 28 de dezembro de 1930, erigido com contribuição de 500 réis. Em seu pedestal está a seguinte inscrição: "Ao pranteado clínico, Dr. Júlio Maximiano Ollivier, a gratidão pública". Na solenidade falaram, entre outras pessoas, o vigário João Teodorico Velloso, pela comissão do monumento, o Dr. Melquíades Picanço, Vicente Miranda e o Capitão Euclydes Pereira Bueno. Os seus funerais foram custeados pela Prefeitura. Ninguém melhor para dizer das homenagens prestadas do que os jornais da época.
Rememorando o passado,
a bem da verdade, afirmo aos prezados acadêmicos: - O meu patrono Dr. Júlio
Maximiano Ollivier, representou naquela cidade a qual tanto amo, uma marca
indelével da mais tradicional individualidade desta metade do século. Que a sua
alma generosa e amiga seja nesta modesta biografia guardada como exemplo para
todos aqueles que conheceram a sua vida.
Biografia escrita pelo Acadêmico fundador, Cadeira nº 58, Waldir Rodrigues Costa