Manoel Dias de Abreu




Manoel Dias de Abreu

Especialidade:

Acadêmico Patrono

Cadeira: 2

Patrono: destinado a Seção de Medicina Cirúrgica


Mini currículo:

Devo hoje lembrar alguns aspectos sobre meu querido mestre e hoje meu patrono nesta casa, o Professor Manoel de Abreu.

Sobre esta eminente figura, poder-se-ia escrever uma enciclopédia, tais e tão grandes foram seus méritos; científicos, culturais, filosóficos e morais.

Nasceu em São Paulo, filho de pai português, Julio Antunes de Abreu e de D. Marcedes Rocha Dias, paulista de Sorocaba.

Terminou seus estudos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1913. Defendeu tese no ano seguinte sob título "Natureza Pobre" em que trata da influência do clima tropical sobre a civilização.

Nas nossas conversas amistosas contou-me o Dr. Abreu certa vez que, quando estudante achava o clima do Rio de Janeiro impossível para se viver e por isso vivia uma vida de boêmio, dormindo até tarde e vivendo à noite. Logo após sua formatura embarcou a guerra, o que motivou a interrupção da viagem em Portugal, pois o navio não tocaria mais em portos franceses. Meses após seguiu para Paris via terrestre. Uma vez no seu destino, começou a frequentar vários hospitais como Hotel Dieu, H. Laenec e H. Franco Brasilien no qual dirigiu o serviço de Radiologia, bem como no Hotel Dieu.

Até então ele ainda não se decidira sobre a especialidade a fazer. Porém assistindo o Prof. Gilbert examinar um doente no hospital, recebeu dele a incumbência de leva-lo à Clínica Radiológica, para radiografar o tórax, porém só para confirmar o seu diagnóstico que nada lhe revelava de anormal no aparelho respiratório. Minutos após voltava o Dr. Abre com a radiografia do paciente ainda na colgadura e molhada, onde se via uma grande lesão pleuro-parenquimatosa. Foi este o momento decisivo. Abreu escolheu a radiologia para sua especialização. A radiologia naquele momentos ainda ensaiava os seus primeiros passos, pois descoberta em 1895, tinha apenas 2 décadas e era preciso aplica-la à Clínica. Era a vida que o impulsionava para aquela especialidade, onde tantas descobertas faria e tanta ciência ensinaria. Acompanhando o Prof. Abreu desde 1929 quando, Dr. Jarbas de Camargo Penteado amigo de Miguelote Vianna, levou-me ao consultório do mestre, naquela época do Edifício Lefont e apresentou-me como candidato a trabalhar em seu serviço público, que era a Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Abreu, liberal como sempre, pôs o seu serviço a minha disposição e na 2ª feira comecei minha iniciação, pois que o dia do encontro fora sábado à tarde. Lá trabalhei 2 anos como estudante e depois até 1940 chegando a chefia do gabinete nas faltas do professor.

Nas nossas conversas disse-me uma vez o Dr. Abreu se julgar da grande guerra em 1914, pois quando chegara a Paris todos os radiologistas estavam convocados, o que lhe valeu começar como chefe dos serviços e portanto estudar com afinco para poder dar conta do recado. Em ocasiões como essa é que se veem os predestinados. Teve que estudar não somente radiologia, mas também matemática, física e anatomia para ilustrar a sua Chefia. Nascia portanto a radiologia e nada de didático havia sido escrito. Começou então Abreu a identificar o aspecto das lesões, quer pulmonares, quer pleurais, classifica-las pela forma, volume, densidade e situação e ao fim de algum tempo já estava com o material coligido para um livro (seu 1º trabalho impresso) "A Localização dos Corpos Estranhos pela Dupla Focalização". O 2º foi "Radiodiagnostiq Dans la Tuberculose Pleuro-pulmonaire", prefaciado pelo Prof. Rist. Assim começara em Paris a sua vida científica. Seria interessante narrar as peripécias de tal prefácio.

Começara o Dr. Abreu a cogitar do editor para seu livro e escolheu Masson & Cia. Para lá se dirigiu e depois de uma fria acolhida foi informado que tais editores tinham uma comissão de professores para examinar os trabalhos e opinar sobre os mesmos, sendo o Prof. Rist o chefe da comissão. Abreu declarou que trabalhando no Hospital Laenec lhe era fácil falar ao Prof. Rist. A coisa não era bem assim, ele de fato trabalhava no H. Laenec, porém raramente se avistava com Rist. Mas era preciso imprimir o livro e para tal a opinião do Professor, do qual depois se tornou grande amigo. Ao falar com o Prof. Rist, este mandou que deixasse o trabalho que ele o estudaria. Voltando Abreu na próxima semana, declarou Rist ser o livro interessante e que se abreu concordasse em alterar alguns pontos do mesmo, ele o prefaciaria. Abreu concordou, e o prefácio foi feito. Os pontos alterados foram aqueles em que o Prof. Abreu criticara acremente os sinais semióticos antigos, em face da moderna radiologia. Disse-me Abreu mais tarde, nunca ter se arrependido de tal gesto.

Após 8 anos de estadia em Paris, regressou ao Rio de Janeiro, onde se instalou e iniciou a sua vida de Radiologista Clínico, porém sem descurar a parte científica e investigadora.

O Prof. Abreu era um misto de sonhador, poeta, filósofo e cientista.

Como poeta escreveu "Substância", "Poemas sem Realidade", "Meditações", "Não Sei" e "Mensagens Etérea". Como filósofo escreveu a "Luta Contra o Universo", com crítica muito favorável.

O Dr. Abreu como criatura humana era de uma grande sensibilidade, só falando em fraternidade, amizade, etc..., se preocupando por demais com o problema da profilaxia da tuberculose e seu tratamento, em uma cidade cuja mortalidade era de 300 para cada 100.000 habitantes. Com o seu grande coração devotado à humanidade, vivia Abreu atormentado com o índice de mortalidade no Rio de Janeiro e esforçava-se por detê-lo. Era um Rotariano nato.

Já nos anos de 1919 e 1925, investigava a fotografia do ecran, porém sem resultado. Em 1936, conseguiu no Hospital Alemão, os primeiros documentos sobre Roentgenfotografia ou fotografia do ecran ou foto-fluorografia. Era a vitória da perseverança. Mas se ele havia por duas vezes tentado anteriormente sem o conseguir, como o conseguiria agora? Foi progresso da ciência; os ecrans de tungstato de cálcio muito mais luminosos, filmes muito mais rápidos super XX e ampolas de anodio giratório, capazes de suportar maiores cargas sem se deteriorarem. Foram todos esses fatores que contribuíram para a vitória de Manoel de Abreu. As experiências foram feitas no Hospital Alemão para onde levávamos os doentes escolhidos na Policlínica Geral no serviço de Tisiologia do saudoso Prof. Mc. Dowell. Lá colocávamos uma máquina Leica com lente de abertura - 1,15 a 60 cm do ecran fluoroscópico, no qual era encostado o tórax do paciente. Apagávamos a luz da sala e com tudo no escuro, depois de aberto o obturador da máquina pedíamos à Irmã Erna que desse Raios X. Era feita uma descarga de cerca de 100MA - 70KV e 0,3 a 0,4 de segundos, experiência essas que foram coroadas de êxito.

A casa Lohner, filial da Siemens no Rio, foi incumbida pela matriz da construção dos aparelhos de Roentgenfotografia segundo os planos de Dr. Abreu. Enviados os planos para Siemens e GE, veio como resposta que o método era inexequível, o que não impostou a Abreu que prosseguiu nos estudos não fazendo outra coisa durante os 10 anos seguintes que escrever sobre a Abreugrafia. Como surgiu essa designação?

Foi durante o I Congresso nacional de Tuberculose, no Rio em 1939, que o Prof. Dr. Ary Miranda na presidência propôs o nome de abreugrafia que os Argentinos e Uruguaios aplaudiram e assim se consagrou a denominação.

Em 1938, o Prof. Holfelder da Alemanha passando aqui pelo Rio procurou Abreu que lhe mostrou o aparelho e forneceu os planos para executá-los. Chegando em Berlim, Holfelder mandou fazer um lindo aparelho na fábrica Siemens, ao qual denominou aparelho Holfelder. Sabedor disto, Abreu em correspondência exaustiva provou que não era justa tal denominação e o aparelho de denomina Abreu-Holfelder.

Mas a grande glória e vitória do Prof. Abreu foi o emprego da Abreugrafia na profilaxia e tratamento das doenças do tórax (tuberculose, outras pneumopatias e cardiopatias). Os índices de mortalidade começaram a decair tão logo se iniciou o cadastro torácico, isto é, as abreugrafias em massa.

O 1º serviço que foi instalado no Rio, foi o Centro de Cadastro Torácico da Rua do Rezende, o 2º no  Departamento de saúde Pública de Vitória - junho de 1937 e o 3º no Hospital Central da Marinha do Rio de Janeiro em setembro de 1937.

O Prof. Abreu teve como colaboradores, Plácido Barbosa, Mazzini Bueno, Genésio Pitanga, Ary Miranda, Alexandre Stokler, Aloysio de Paula, Benedetti, Edmundo Blundi, Itazil dos Santos, carvalho Ferreira, seus assistentes na época Gil Ribeiro e Alcides Lopes.

Disse Abreu a respeito da Fluorografia certa vez: a história da Fluorografia em massa é de certo modo a história e toda a minha vida.

Abreu escreveu cerca de 200 livros e trabalhos ou mais sobre os mais diversos assuntos médicos. Citarei alguns para não me alongar demais: "Essai sur une Novelle Radiologie Vasculaire" (1926) - "Etudes Radiologique que sur le Poumon  e Mediastin" (ainda neste livro densimetria - volume de uma lesão; superfície quadrada) (1930) - "Nefro-Colecistografia" (1929( livro escrito sobre a incidência O.A.E. em substituição do perfil para diagnóstico diferencial entre as litíases biliares e as urinárias direitas - "Recenseamento Torácico coletivo Pela Roentgenfotografia" (1938) (Abreu, Aloysio de Paula e Benedetti) - Paralelepípedo Retangular Somático" - "Diâmetros do Coração Visto de Face" - "Evolução Radiológica" (Jornal das Clínicas - 1930) - "Contribuição ao Estudo Radiológico do Mediastino na Criança" (trabalho para concorrer à vaga na Academia de Medicina do Rio de Janeiro" - "Base de L´Interpretation Radiologique" - "Radio geometria" - 1954 - "Tomografia Espessa e Instantânea" - "Tomografia Simultânea" - "Enfisema Orbitário" - "Trabalho do Coração Pela Quimiografia" - "Lavado Traqueobrônquico Substituindo o Lavado Gástrico", etc...

Como reconhecimento ao seu grande valor científico recebeu o Prof Abreu inúmeras homenagens: "Instituto de Cadastro Torácico da Liga Argentina em Buenos Aires" que tem o seu nome inscrito no livro do mérito e recebeu a "medalha de ouro do American College of Chest Physicians" outras no Congresso de São Francisco de 1950 e de Copenhague e Presidente da União Internationale contre la tuberculose -Membro Honorário da Sociedade Alemã de Radiologia - Pergaminho da Liga Argentina contra a tuberculose com 300 assinaturas - Buenos Aires - Presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro - Chefe do Serviço de radiologia (cadastro torácico) do Departamento de Inspeção Médica da Secretaria Geral de S. e Assistência - Professor Catedrático de Radiologia Clínica da Faculdade de Ciências Médicas do Rio de Janeiro - Membro Honorário da Liga Paulista contra a tuberculose - Membro Honorário do Colégio Americano de Radiologia - Medalha de ouro da II Jornada Brasileira de Radiologia - Bahia/Brasil (1950) - Medalha de ouro Cardoso Fontes da Sociedade Brasileira de Tuberculose - Rio - Grã-Cruz da Ordem do Mérito Médico - Brasil - medalha de Ouro "Valor Cívico" Governo de São Paulo - Presidente de honra do III Congresso International de Radiofotografia Estocolmo, etc.

Como inventos seus podemos citar: A abreugrafia e novo motor hidráulico baseado em um sistema de Corpos Ocos e deformáveis.

Manoel de Abreu faleceu em 30 de janeiro de 1962. Sua enfermidade foi curta não tendo demorado 2 meses. Iniciou-se por uma tosse forte e intermitente, sendo proibido de fumar o que muito lhe custou. No entretanto quando contrariando as ordens dos colegas insistia em fumar, vinham os acessos de tosse que quase sufocavam e muito o cansavam. Cerca de uma semana após ficou afônico e foi encaminhado ao otorrino Dr. Álvaro Costa que constatou paralisia da corda vocal esquerda. Os colegas José Sarmento Barata e Velho da Silva, foram os seus internistas. No dai 4 de janeiro dia de seu aniversário, estava ele em franco desânimo. Chegam-lhe mensagens de todos os pontos do Brasil. Mas ele já não vivia como antes. Estava muito enfraquecido. Urgia porém radiografar seu tórax, o que ele não admitia. Todos lhe pediam e imploravam e ele não cedia.

Respondia que não precisava, nem desejava fazer-se radiografar para saber que estava desenganado e que se preparava para o inevitável. Acede finalmente às instâncias dos amigos e de sua senhora. Feitas as radiografias em sua casa e reveladas no consultório não lhe foi dado o resultado, pois tinha um tumor no mediastino, inoperável como já haviam dito Fernando Paulino e Gesse Teixeira. O Prof. Abreu no entretanto insiste em querer ver as suas radiografias e o remédio foi mostra-las. Quando as viu, depois de um silêncio disse à sua senhora: Veja meu bem, você agora sabe o que eu tenho: é um tumor... é grave.

Insistiram que fizesse Cobaltoterapia ao que respondeu que só faria para contentar a sua senhora e seus amigos, mas que ele desejaria viver a vida na sua plenitude. Ele amava a vida. Subitamente o Professor pediu que lhe mandassem o seu advogado, já que os colegas nada mais podiam fazer e queria ditar o seu testamento e arrumar as suas coisas. De fato, passou a tarde com o seu advogado e só findou à noite. Fez duas aplicações de Cobaltoterapia na Casa de saúde São Sebastião e em 30 de janeiro faleceu. O seu corpo foi levado para a casa de sua mãe em São Paulo onde foi feto o velório e sepultado no dia seguinte no carneiro da família.

Teve inúmeras homenagens póstumas: Homenagem da Sociedade Brasileira de Radiologia, reunida extraordinariamente em 14 de março de 1962. Foram oradores Gil Ribeiro, Prof. Duque estrada, Dr. Itazil Benício dos Santos e o Sr. Nilton Batista, como representantes dos técnicos operadores de Raios X. Homenagem em conjunto das seguintes instituições que se reuniram em sessão especial na sede da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro em 25 de abril de 1962: Sociedade Brasileira de Tuberculose e Doenças Torácicas, Sociedade Brasileira de abreugrafia, American College of Chest Physicians, Departamento de Tuberculose do Estado da Guanabara, Sociedade de Medicina e Cirurgia, Centro de Estudos da Cátedra de tisiologia da Universidade do Brasil, Associação de Socorro ao Tuberculoso e Médicos da antiga Inspetora de Tuberculose. Foram oradores: Dr. Edmundo Blundi, Aloysio de Paula, Dr. A. Ibiapina, Dr. Carlos Osborne, Dr. Simplicio Santana, Dr. Oswaldo Dias, Dr. Genésio Pitanga; homenagem do Centro de estudos do Hospital São Sebastião: Oradores - Dagmar Chaves, Newton Bethlen, Darcy Soares, Messias do Carmo, Victor Cortes, Ibiapina, José Lins e Gil Ribeiro.

Homenagem da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo em 28 de fevereiro consistindo na inauguração da efígie do Prof. Manoel de Abreu na sala de cadastro torácico. Em Niterói, homenagem da Associação Médica Fluminense e da Sociedade de Tisiologia, sendo orador: Dr. Antonio Abunahman. Além dessas homenagens, outras tiveram lugar por iniciativas de outras entidades culturais de igual prestígio. À grande parte dessas homenagens compareceu a Sra. Dulcie de Abreu, viúva do Professor e que em prantos presenciou todas as homenagens prestadas ao seu esposo desaparecido. Para encerrar quero desculpar-me com os colegas, de tão longa biografia, mas do Prof. Manoel de Abreu como já disse antes, pelos seus trabalhos científicos, podia se escrever algo de muito mais completo e perfeito. É com saudade e agradecimentos que termino este trabalho dizendo mais: que além de professor e amigo tive no Dr. Abreu o orientador que ainda hoje me guia nos meandros difíceis da medicina e da vida.

 

 

 

Biografia escrita pelo Acadêmico Alcides Gonçalves Lopes.


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